A história de hoje era para ser curta (uma página, mas me empolguei), aviso a meu querido leitor que não é nada inovadora, entretanto convido a pensar mais uma vez no assunto.
O fim do ano se aproxima comprovando que Nostradamus errou longe na profecia da extinção da humanidade, não sei dizer se a extinção é boa ou ruim, só sei que como muitos pensadores e artistas não quero chegar nem perto dos 100 anos.
Enquanto escrevo isso o caminhão da reciclagem passa:
“Compramos tudo que você não queira mais na sua casa! O caminhão da reciclagem está passando na sua porta! Geladeira velha, panela velha, liquidificador velho, bateria velha de carro…” (mais a frente você entenderá como esses parágrafos aparentemente aleatórios tem conexão).
Bem, tenho reservado o fim de ano para me presentear, nessa época, costumo fazer um check-up, exames médicos, de sangue, oftalmologista (diga-se de passagem, sou míope, grau altíssimo), entre outras consultas para ver quanto tempo mais me resta.
Essa semana foi reservada para isso. Depois de sucumbir ao terrorismo do médico, o mesmo solicitou uma ficha criminal digna de um orgulhoso bandido de tão extensa, exame disso e daquilo, e ao sair da sala fiz o orçamento de quantos órgãos deveria extrair para fazer os exames. O que posso dizer é que meu bolso latejou e muito.
Eu precisava fazer os tais exames, mas não deixaria minha córnea lá, era necessário consultar outros açougues. Passei a tarde coletando números, no fim não cheguei a veredicto nenhum.
Voltei para casa e pensei, porque não ir ao pronto socorro, existem exames que poderei fazer de graça e economizar, vamos usar o SUS.
Depois de perguntar para umas cinco recepcionistas, finalmente atenderam-me, a papelada foi preenchida e agora eu precisaria ir até outro guichê e levar as fichas para lá e ver quando seriam feitos os exames.
Cheguei no balcão e atendente que conversa com uma colega, não gostou muito quando apareci, acho que havia interrompido algo. Entreguei duas fichas para a atendente, ela pegou a primeira, anotou meus dados, e disse:
– Ligaremos para você assim que houver vaga.
Eu sei que “assim que houver vaga” é muito tempo, mas quanto tempo seria?
– Por favor, você tem ideia de quanto tempo leva? – perguntei com voz de veludo.
– Ah não posso dar previsão nenhuma, mas está demorando bastante.
Fiquei sem reação e não tinha muito a fazer, não poderia gritar com ela e tão pouco usar de um poder que não possuo para extorquir e furar a fila de espera.
– E esse outro exame? É aqui que marca? – Eu perguntei.
– Não esse é o laboratório.
Descendo o quarteirão em direção ao laboratório pensava se deveria pagar com meu pâncreas ou esperar uma possível doença (talvez inexistente) me consumir.
Não é a primeira vez que passo por isso, mas no fim, quando a gente “encafifa” com uma coisa, a paz é a única coisa que a gente não tem e a única coisa que a gente tem é a paranoia de ter uma doença rara.
Cheguei ao laboratório:
– Boa tarde, por favor exame pelo SUS, marco aqui? – perguntei.
– Sim. – ela pegou a ficha – Para quando a senhora marcou o retorno?
– Para mês que vem.
– Nossa, mas porque tão cedo, os exames pelo SUS estão demorando bastante.
– E quanto seria esse “bastante”?
– Marcando agora, o resultado só sai em março.
– Março do ano que vem, 2017? Eu enfatizei o ano porque achei bem absurdo.
– Sim. – Disse tranquilamente.
– Aqui vocês fazem exames particulares?
– Sim.
– E quanto sairia se ao invés do SUS, eu pagasse?
Ela prontamente puxou uma pasta preta embaixo da mesa e começou a contabilizar. Ela calculava e errava começava tudo de novo com a pequena calculadora. Por fim, ela anotou no topo da ficha o valor, não era barato, mas estava bem abaixo do valor que eu cotei em outros lugares. Perguntei:
– Como faço então? Para quando posso marcar os exames na modalidade particular?
– Amanhã mesmo! – Esboço um sorriso de canto.
– Ah, amanhã? Então se eu fizer pelo SUS a marcação só em março de 2017, mas se pagar posso vir amanhã?
– Sim.
Você já passou por situações onde você faz uma longa pausa na conversa porque são tantas coisas para pensar sobre o assunto que você precisa de um momento de silêncio?
No fim decidi pagar. Sai de lá pensando profundamente sobre as relações de poder, saúde, dinheiro, persuasão, morte e vida. E se eu não tivesse condições de pagar? Tenho certeza que você sabe muito bem qual seria o desfecho.
No dia seguinte cheguei no local, paguei e mal sentei na cadeira de espera e fui chamada. Entrei na sala, fiz o que deveria ser feito em menos de 5 minutos acredito.
Voltei para recepção e a atendente educadamente disse que o resultado sairá dentro de 20 dias, mas já pediu urgência na análise e assim que o resultado chegasse entraria em contato.
Agradeci, fui até o supermercado, comprei sabão para lavar roupa. Cheguei o caminhão da reciclagem está na minha rua.
…
Nota de fim anunciado:
Se você não fez nenhuma conexão com caminhão da reciclagem e este texto, não fique triste, você não tem obrigação nenhuma de entender como minha cabeça funciona. Se você entendeu é tão louco quanto eu, mas talvez tenha pensado em outras coisas. Que tal conversamos mais sobre isso?
Eu pensei sobre o sistema que vivemos, a sociedade, quando a gente envelhece e não tem o que oferecer na nossa cultura nos tornamos fardos, então quando ele diz “Compramos tudo que você não queira mais na sua casa! … Geladeira velha, panela velha, liquidificador velho, bateria velha de carro…” Eu penso em pessoas e nós enquanto sociedade que descartamos quem não precisamos. Pensei na velhice e quando não temos dinheiro para pagar por nossa saúde morremos miseravelmente.
Eu não tenho uma solução maravilhosa para oferecer, tão pouco uma lição de moral, mas sempre há o primeiro passo, e é refletir sobre como vivemos e como tratamos os outros. Eu provavelmente não vou viver para ver o mundo mudar, mas me agarro na esperança que aos poucos podemos fazer a diferença.
Esse descaso da saúde se deve ao fato de termos espertalhões infiltrados na política, que quando têm sucesso, comprando votos, denegrindo adversários, mentindo, falseando dados, assumem o poder e não conseguem cumprir com o pagamento da saúde, pior gastam uma fortuna na saúde, mas pra pagar por serviços que não são realizados, mas que resultam em gordos “benefícios” para eles mesmos… As gestões estão com os pagamentos atrasados. Por isso os exames para o SUS, são empurrados com a barriga. O eleitor desavisado não percebe as consequências de ir na onda nas eleições…
Amaurih dessa vez concordo plenamente com você, as necessidades básicas do cidadão são cada vez mais ignoradas em prol de mentiras, favores pessoais, extorsão, propina e tudo que a gente já está cansado de ver.
É triste ver que a população ainda se ludibria e não se preocupa em pesquisar e cobrar sobre as obrigações que deveriam ocorrer nos períodos de mandato.
A saúde hoje é uma entidade que agoniza e somos nós que pagamos altos preços pra ter o básico.
Obrigada pelo seu feedback, eu e a equipe Duofox ficamos felizes, esperamos mais da sua visita no blog.