Galera Duofox, para vocês que acompanham nossas resenhas, talvez essa, em um tom mais pessoal possa causar estranheza, mas vamos lá.
Essa semana fui surpreendido por um livro que devorei em três dias. Vocês devem estar pensando, “Lá vem o Mrs. Felipe Terra com mais um escritor que adora hambúrgueres e beisebol.”
Errado.
Em uma de minhas andanças por praças empesteadas por pombos, bancas de jornal obscuras e mercadão municipal, dei de cara com um título que me chamou atenção. Um homem chamado Lobo, do argentino Oliverio Coelho. Estranhei o fato de o livro ser novo e custar menos de dez reais. Meti-o na mochila e comecei a leitura no mesmo dia.
Curioso com o livro, e com uma rápida pesquisa sobre o autor, até então desconhecido para mim, descobri que Oliverio Coelho é reconhecido como um dos mais importantes autores da nova geração da literatura latino americana. Isso me deixou ainda mais curioso.
Um homem chamado Lobo é uma história densa sobre a decadência humana, sobre um tema universal, porém, pouco explorado pela literatura, a relação pai-filho e acima de tudo, um drama sobre a esperança.
O romance conta a história de Sílvio Lobo, um inspetor da vigilância sanitária que com 40 anos, decide se aventurar num romance casual com Estela Durán, uma enigmática jovem bem mais nova, e que após alguns meses, acaba engravidando.
Filhos geram mudanças na vida de qualquer pessoa, principalmente se você, aos 40 anos perde o emprego, sua esposa o abandona com o garoto de um ano, sua mãe, talvez a única que poderia te acolher, parece odiá-lo desde o ventre, e de quebra, sua única forma prazer sexual é uma prostituta chamada Belém, com quem divide vez ou outra, um quarto num hotelzinho de uma estrela em uma Buenos Aires decadente, em plena ditadura.
Esse é apenas o começo da tragédia de Sílvio Lobo. Incapaz de aceitar o sumiço de Estela, e indignado por ter que cuidar do filho, desenvolvendo assim uma paternidade forçada, Lobo contrata um misterioso e místico detetive particular, um homem cujo passado ainda mais misterioso que o sumiço de sua esposa.
Os dois, unidos pelo desejo de encontrar Estela, partem numa labiríntica viagem pelas províncias fantasmas da Argentina, um país que nunca mais veremos como antes. Conhecem pessoas em que não devem confiar. Jovens mancas que adoram sexo selvagem e de quebra, são lançados numa teia de uma sociedade um tanto sinistra.
O resultado dessa busca por uma mulher que parece nunca ter existido culmina num final surpreendente, em que os personagens seguem página após páginas, definhando, chegando ao fundo do poço, uma condição que nos faz refletir sobre o que decisões precipitadas e o livre-arbítrio podem fazer com nossas vidas medíocres e sem graça.
Um homem chamado Lobo. Uma narrativa que impressiona pelo modo como é construída. Um livro que ora choca pelo brutalismo da linguagem, ora nos deixa completamente sensibilizados pela leveza com que são tratados os temas centrais.
Algumas passagens que destaco.
A imagem desse corpo e o eco das palavras “tire a roupa” fecharam sua garganta. Esse organismo parecia desfigurado pela nudez: cintas-ligas incrustadas nas coxas, poços de celulite e camadas de carne crescida no quadril como uma pele dupla… Sentiu-a completamente mole, como se estivesse cheia de algodão… numa vagina cujos lábios sobressaíam minuciosamente texturizados, como a superfície de um caracol.
Dora reagiu, parecia não engolir a mentira, e até esboçou um gesto de zombaria, franzindo a boca.“Há quanto tempo ela foi embora?”
“Eu a expulsei, já disse”, ele insistiu.
“Há quanto tempo essa criatura está sem sua mãe?”
Imediatamente, ele vislumbrou no emprego da palavra criatura um acesso de piedade e, portanto, a possibilidade de que ela, a partir desse dia, assumisse a responsabilidade pela criança.
Um homem chamado Lobo, literatura argentina de primeira linha. Uma história que simplesmente prende do começo ao fim. Leiam e tirem suas próprias conclusões. Um abraço e até logo menos.
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