Shibari é tema do novo clipe de Jonnata Doll & Os Garotos Solventes

Filmado antes da pandemia pelo diretor Thiago Mattar, do documentário musical “O barato de Iacanga”, o clipe mostra o vocalista Jonnata Doll mantido em cativeiro, vendado e amarrado durante uma sessão de shibari assistida por estranhos.O registro pode ser assistido logo abaixo.
 
Ainda em 2019, a canção “Filtra-me” era apresentada ao vivo por Jonnata como parte da trilha sonora de Res Pública 2023, espetáculo teatral distópico que foi censurado por Roberto Alvim quando ainda era responsável pela Funarte, antes de tomar posse e ser demitido do cargo de secretário especial da Cultura por citar o ministro nazista Joseph Goebbels, durante um pronunciamento oficial.
 
A faixa foi originalmente lançada no terceiro álbum de estúdio da banda, o “Alienígena”, lançado pelo Selo Risco em 2019 e produzido por Fernando Catatau.
 
Nessa nova apresentação da canção, os artistas Amauri Filho e Aileen Rosik, praticantes de shibari, colaboram no clipe como atores e consultores. O casal ficou conhecido do grande público após montar looks inspirados na técnica japonesa para ensaios fotográficos de Sabrina Sato e Geisy Arruda.
 
A técnica de shibari (ou kinbaku) remonta a séculos de história no Japão, tendo suas raízes no hojojutsu – uma arte marcial praticada pelos samurais no período Edo (1603-1868) –, que usava cordas de fibra natural para capturar, transportar e torturar seus prisioneiros. Com o final do período, a prática caiu em desuso e foi resgatada como manifestação artística e erótica já no final do século XIX, e vem sendo aprimorada desde então, reinventada por artistas ao redor do mundo.

Fotografado em preto e branco num porão abandonado no bairro Campos Elíseos, o trabalho dirigido por Mattar e produzido por Raphael Bottino (mesmo produtor de “Corazón”, clipe de Maluma com mais de 1 bilhão de visualizações) se distancia do universo pop, buscando referência na crueza dos trabalhos de fotógrafos da cena proto-punk americana e londrina como Robert Mapplethorpe, Mick Rock, Karen Knorr e Oliver Richon.
 
Jonnata, que simpatiza com essas referências setentistas, nunca tinha sido apresentado ao shibari.
 
“Well, well, well… Eu já tinha experimentado algumas coisas de BDSM na vida privada e em algumas festas, mas ser amarrado sempre ia de encontro com a minha suposta claustrofobia. Então, alguns dias antes da gravação do vídeo, fizemos um ensaio no mesmo porão que iríamos filmar e lá o Amauri [Filho] me colocou içado no teto de cabeça para baixo, sustentado por cordas enlaçadas em nós complexos que apertavam minha perna direita e meus antebraços torcidos para trás.

O que mais doía era a queimação das rudes cordas raspando na pele, imaginei os porões da ditadura e o quanto conseguiria segurar um segredo. O sangue desceu para minha cabeça e senti um tipo de lombra agradável que me fez suportar de boa aquela situação invertida e acochada sem sombra de claustrofobia. Porém, no dia da gravação, as coisas foram diferentes.

Havia uma galera se divertindo comigo, usando álcool e outras coisas para que o clima fosse o melhor, e aí fui fazendo várias tomadas que exigiam muito, mas nada tão diferente do que já faço em shows e em filmes como “Medo do Escuro”, do Ivo lopes. Então, depois de uma hora das primeiras gravações no cativeiro, bebi bastante água, dancei músicas de coragem e voltei para a locação dizendo: “Hey, ho, let’s go”. Dancei para os voyeurs encarando, provocando.

E logo o Amauri voltou a me içar no teto baixo do porão sujo enquanto Aileen, sua esposa e cúmplice, começou a me tratar com carinho violento. Às vezes meu saco grande e murcho, devido a anos de ausência de cueca, escorregava para fora da minha calcinha e o casal tinha que guardar ele de volta para que “Filtra-me” não ficasse impróprio para o Youtube.

Existe um limite de vinte minutos para que o shibari seja seguro, passando disso a pessoa pode sofrer algum dano. Os vinte minutos tinham passado, mas o diretor queria mais um take e o Amauri já tava querendo me colocar de volta no chão. Só que gritei para continuar, pois já tava ficando gostoso e não podíamos ter ido tão longe para parar a poucos passos da reta final. Não demorou e o Thiago conseguiu a cena, todos urrando de alegria. Acabou a filmagem e voltei para diversão”.
 
Para a cena final, onde Jonnata precisaria estar amarrado e içado de cabeça para baixo, o diretor estreante em videoclipes diz que confiou na experiência do casal de artistas.
 
“Eles já praticam shibari há um bom tempo e foram uma indicação de uma amiga. Estava muito confiante de que nada ia dar errado, e o resultado é que tudo saiu perfeito. Mas, mesmo assim, o Jonnata sofreu um pouquinho”, brinca Mattar.
 
O lançamento aconteceu no dia 3 de agosto de 2020, dia em que se comemora o fim da censura no Brasil. Foi nesse dia, em 1988, que foi votado o texto da Constituição que trata desse tema.
 

Diego Fernandes Escrito por:

Bebedor desenfreado de café, Diego é desenvolvedor front-end e professor. É o fundador do Duofox. Na literatura não vive sem os russos Tolstói, Dostoiévski e Anton Tchekhov e consegue "perder" tempo com autores da terra do Tio Sam, Raymond Chandler e Melville. Acredita que a arte de maneira geral é a única forma de manter o ser humano pelo menos acordado, longe do limbo que pode levar a humanidade à Encruzilhada das Almas.

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