Numa reunião de contos de fadas a escritora Angela Carter não traz o que muitos leitores esperam de histórias infantis.
A palavra fadas engana e mostra uma outra realidade. Ao contrário, no lugar de seres viventes e mágicos, nos deparamos com animais que falam e mostram o quão perverso é o ser humano.
Por que contos de fadas se não tem fadas?
A expressão utilizada ao longo da história da civilização não passa de uma figura de linguagem. A literatura antiga, desde os gregos, com seus mitos e outras narrativas de guerra eram transmitidas de forma oral.
Não se existia a prática da grafia. Registros de inúmeras histórias não eram feitos. Assim, quem conhecia um conto anônimo passava a outra pessoa através da fala. A expressão bastante usada no português, quem conta um conto aumenta um ponto faz todo sentido aqui.
“Nada é uma questão de vida e morte, exceto a vida e a morte.”
Angela Carter aponta que os contos de fadas receberam esse nome devido à mágica fantasia que despertava em quem ouvia essas narrativas.
Pois os contos mexem com a nossa imaginação e nos conduz a mundos imaginários onde tudo é possível.
Os fundos morais e sociais dos contos de fadas vão além do que imaginamos
Um dado curioso e que faz toda a diferença na visão que temos dos contos de fadas é que eles originariamente não foram contados e destinados às crianças, mas sim para adultos.
É evidente que esses contos serviam para ninar e acalentar crianças e distrair pessoas em volta da fogueira numa noite escura, mas a essência e alguns elementos eram facilmente adaptáveis dependendo do público.
Com a evolução da escrita muito se ouvia e muito se registrava, e pelo fato de que até meados do século XIX imensa parte da população europeia ser composta por pobres e analfabetos ou semianalfabetos, os erros e as distorções nos contos de fadas podem ser infinitas.
O que nos contam de chapeuzinho vermelho pode não ser a mera aventura de uma garotinha que vai visitar a vovozinha. Trechos interpretados de maneiras diferentes apontam para outros fundos morais dentro da famosa história.
Era uma vez… a abertura mais famosa da literatura
Tudo não passa de uma fórmula. A frase de abertura dos contos Era uma vez já nos anuncia uma história carregada de inverdades. É o começo que menos tem pretensão de ser verdade. E realmente não são verdades.
As situações narradas até pretendem nos ensinar coisas sobre a vida, mas o simples fato de sabermos que animais não falam ou que pessoas não voam tornam o conto de fadas uma tremenda farsa previsível.
Uma coletânea de histórias não convencionais
O título do livro de contos reunidos e selecionados por Angela Carter é A menina do capuz vermelho e outras histórias de dar medo.
Nesse livro repleto de contos de fadas de diferentes origens, a autora pretende mostrar o quão assustador e enigmáticos podem ser os contos que crescemos ouvindo, e ainda recontamos aos nossos filhos e sobrinhos.
“Talvez seja melhor ser valorizada como um objeto de paixão do que nunca ser valorizada”
Evidentemente que o valor cultural e literário dos contos de fadas são inegáveis. Assim como as lições e ensinamentos que eles nos passam. A questão é que as fadas não aparecem tanto nos contos selecionados pela autora.
E se faltam fadas num conto de fadas, sobram animais distorcidos e tias malvadas, caçadores que não pretendem salvar ninguém e perigosas feiticeiras tão traiçoeiras quanto serpentes num pântano caudaloso.
Vale a pena ler este livro. Uma coisa é certa. Após a leitura desses contos sua infância vai parecer um poço repleto de mentiras e enganações.
Afinal, os contos para adultos, assim como a vida, quase sempre não terminam com o tradicional felizes para sempre.
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