A lábia dos espertalhões é uma armadilha fatal para a ingenuidade da benevolência impura. O cabeleireiro tagarela, passa a tesoura na cabeça de mais um cliente. O corte comum é narrado sem parada. Ouve-se uma voz exagerada, onde a alternância desnecessária das entonações, cansa os ouvidos.
São sempre os mesmos bordões. Ele sapateia sobre os cabelos que forram o encardido de um chão falsamente branco. Conta histórias de pescador. Fala do que plantou e do que não plantou. Tenta trazer a vida da roça para os paralelepípedos.
Na porta da barbearia, a criança chata de nome composto, corre e chora. A mãe se irrita. Na boca, falta um dente, como falta a paciência. Entre o barulho rangido da tesoura enferrujada, ouvem-se os causos incrivelmente sempre parecidos.
A criança ainda corre, numa tentativa ingênua de compreender um ambiente nada familiar.
A mãe, tropeça nos próprios passos, chamando o menino por uma centena de vezes. Seu esforço é em vão. Ela passa as mãos enrugadas sobre o rosto, borrando o traço preto, feito às pressas, que jaz sob os olhos.
Fígaro, que lábia é essa? O próximo cliente é a criança, que a própria mãe, em sua impropriedade insuficiente, não dá conta de acolher.
O menininho nem cabe na cadeira. Ele chora. Abre um berreiro, naquilo que lhe é de direito. As lágrimas descem. A mãe chata não fecha a boca e assim, não se sabe se o pior está no choro ou na fala.
Nessa hora, não há lábia capaz de persuadir o não desejo. Há apenas o espaço para poucas tesouradas. A criança urra em absoluto descontrole, e o homem de lábia agora duvidosa, parece não saber qual caminho tomar.
Enquanto a mãe segue com sua fala repetitiva e reducionista, ele se perde por caminhos antes tão familiares, como se guiasse um veículo desconhecido, esbarrando em tudo o que está à sua frente.
A ingenuidade da criança, não caiu no papo do velhaco, que de tão barbeiro, não pôde nem cobrar o corte.
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