Crônicas de um professor alucinado. Nordeste pra que?

Cena típica e costumeira de um dia de aula.

Alunos cabisbaixos, com aquela aparência de quem dormiu tarde da noite e foi abduzido pelo facebook ou qualquer desses aplicativos que tornam o indivíduo um zumbi. A matéria deveria ser a mais fantástica; Literatura. Romances de 30. Jorge Amado e seus Capitães da Areia, o clássico que eles encontrarão dentro de um vestibular qualquer. Instigante? Claro. Só se for para mim, professor, louco ensandecido, orgulhoso de acordar cedo, sob o céu nublado, sorumbático e poder falar sobre clássicos da literatura nacional para adolescentes de 15 anos.

A juventude de hoje não quer saber de ler. Sim. Ótimo. Não é de hoje que flertar e ficar de papinho à toa com o colega, é mais gostoso do que ler um romance da Rachel de Queiroz de 200 páginas e que fala da realidade dura do nordeste. Nordeste? Quem quer saber de nordeste professor? Essa pergunta um sujeito me arremessa do fundo da sala, pouco depois de eu falar da temática da geração de 30 (desculpe leitor, mas se você não faz ideia do que estou falando, procure em qualquer livro que você deveria ter aberto durante o ensino médio) deixei passar a pergunta do sabichão do fundo da sala. Ele só quer pegar as noivinhas nas baladinhas teens que frequenta, exibir o jetski e a lancha do pai no insta. Nordeste pra que? Sigo com a aula. Depois de cinco minutos, o sujeito do Nordeste pra que, já está numa outra órbita, quase babando sob a apostila cara que o pai comprou. O sinal bate e vou embora.

Dois dias após essa aula chega a hora de aplicar a prova bimestral. O momento que mais almejo, pois sei que os alunos vão me amar e me tratar com um carinho ímpar. Distribuo as provas e a sala em silêncio começa a ler as alternativas e textos de base. Minutos se arrastam e o sujeito dorminhoco, o do Nordeste pra que, levanta a mão. Está com uma dúvida. Meus passos vão até ele com um sorriso nos lábios. Ser professor é o máximo. “Professor, essa questão vale 4 pontos?” Sim, respondo com um sorriso tímido e diabólico. “Mas é sobre o Nordeste.” Chega o momento da minha redenção. Respondo. “Sim. Quem quer saber de Nordeste, não é mesmo? Nordeste pra que?” Ele pisca e se cala.

Desse dia em diante o sujeitinho nunca mais dormiu na minha aula, tampouco abriu a boca pra comentários desnecessários. Estranho.

 

Felipe Terra Escrito por:

Professor e amante da arte literária, atua na área da educação desde 2011. Viciado na música de Bach, Mozart e Chet Baker, e na literatura de Raymond Chandler, Ross Macdonald e Paul Auster. Ama escrever e acredita que poderia ler mais, porém, precisa dormir, infelizmente. Consegue passar horas jogando pôquer ou xadrez com os amigos. Degustar pizzas de queijo e bacon é um dos passatempos prediletos em horas de fome extrema.

Um comentário

  1. Roberta
    outubro 23, 2016
    Responder

    Muito bom.. Parabéns!!

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