Para os apreciadores do ritmo mordaz e rapidez inconfundível da narrativa americana, a literatura francesa é um restaurante com cardápio abundante. A intenção aqui não é comparar literatura americana e francesa mesmo por que, com todo o respeito, os amantes do Tio Sam precisarão comer muito Big Mac para alcançar os gigantes de Napoleão. Para quem está acostumado com o peso da obra Balzaquiana, ou até mesmo com a suavidade romântica da narrativa de Victor Hugo, vai achar sensacional a forma como Prosper Mérimée escreve.
Apesar de não ser tão aclamado, pelo menos não muito fora da Europa, Mérimée foi desde cedo um amante de História e arqueologia, o que lhe rendeu muito material para seus escritos. Aluno aplicado, aprendeu grego, latim, espanhol, italiano, inglês e russo. Desse último idioma, acentua-se sua importância para a literatura mundial, pois foi ele o precursor das traduções literárias do russo para o francês.
Prosper Mérimée, um francês místico e obcecado por história
Prosper Mérimée nasceu em Paris, em Setembro de 1803, morrendo em Cannes, no ano de 1870. Embora tenha vivido num período tido como romântico francês, sua obra não deve ser considerada puramente romântica, pois seus textos eram bastante ásperos para época, e não possuía a característica eloquente de seus conterrâneos do romantismo.
Mérimée admirava profundamente o misticismo e coisas incomuns. Sua obra sofreu influência direta da ficção histórica de Walter Scott e do drama psicológico e repleto de crueldade de Pushkin. Seus textos eram objetivos, concisos e dramáticos. Grande parte de suas obras fictícias retratam lugares exóticos da Espanha e Rússia.
Durante sua trajetória como literato, escreveu, em 1825, O Teatro de Clara Gazul, atribuindo satiricamente a autoria do texto a célebre “comediante espanhola”. Escreveu a peça Cromwell, nunca publicada e sem registros de uma cópia, deixou também contos de grande valor literário, como La Vénus d’Ille, de 1837, uma trama de horror fantástico onde uma estátua de bronze ganha vida, e Colomba, de 1840, sua primeira novela de sucesso, onde conta a história de uma jovem corsa que obriga seu irmão a cometer, por vingança, um assassinato.
Carmen, uma mulher sensual e diabólica
De todas as obras de Mérimée, a mais famosa é a novela Carmen, publicada em 1845. A novela narra a história da cigana misteriosa e diabólica, Carmen. A construção do texto de Prosper flui de maneira limpa, leve e ágil. A narrativa em primeira pessoa cresce em emoção, suspense e deixa sempre as perguntas, Onde essa história vai terminar? Quem de fato é Carmen?
Carmen é mais que uma cigana. É uma mulher fatal. Ávida de riqueza e dona de uma beleza que enfeitiça e leva os homens à loucura e desgraça. O modo como Prosper constrói a personagem é fascinante. Podemos sem receio, considerar Carmen uma das melhores e mais enigmáticas personagens da literatura. Tamanha força da personagem levou o compositor francês Georges Bizet a usá-la de matéria prima para compor a ópera homônima, uma das maiores de todos os tempos. A obra ainda inspirou filmes de Francesco Rossi e Jean-Luc Godard.
A história é contada por um narrador anônimo, que ao longo da narrativa conhece Dom José, um soldado que tem sua vida alterada por conta de um simples e casual encontro com uma mulher misteriosa, Carmen. O poder da cigana em seduzir e manipular os homens e em criar armadilhas, beira ao demoníaco, o que lhe rende o “apelido” de demônio em diversas passagens do livro. O mistério que ronda a figura de Carmen é o ponto narrativo central, que Mérimée usa de forma magistral para prender o leitor da primeira a última linha.
Ouça a ópera Carmen de Georges Bizet:
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