Com textos bem intimistas, bell nos conta de teoria a partir de sua prática e observação ao revelar como era ser a única negra em espaços acadêmicos. Ela também dialoga com Betty Friedan, uma precursora do feminismo branco, que escrevia livros e livros sobre a “conduta” feminina, os sofrimentos das mulheres brancas que se sentiriam menosprezadas por terem de cuidar da casa e dos maridos. Mas e aquelas que não tinham onde morar? E aqueles corpos que foram usados de bode expiatório para as mulheres brancas se elevarem socialmente? Com muita elegância, bell nos conta que só é possível existir sororidade quando todas abrirem mão de seus poderes e simbólicas dominações.
bell é um abraço no coração para nós, mulheres, aprendermos a nos vermos com menos inferioridade e assim, operarmos uma revolução inconsciente e cultural dentro de nós mesmas – pelo afeto. Se na 1 onda do feminismo, a luta era apenas por mulheres – as denominadas anjos do lar por Betty – agora, a luta precisa evidenciar a escravidão, que vendeu os filhos negros e os separou de suas mães; que abusou fisicamente e mentalmente das mulheres negras, principalmente as jovens e que no Brasil, alienou as mulheres em subempregos cheios de violência: serviços de cuidado, domésticas vivendo em quartos sem ventilação, trabalhos análogos à escravidão. As mulheres negras sempre trabalharam e enquanto as mulheres brancas da 2 onda lutavam pelo acesso ao mercado de trabalho, a contagem dos serviços prestados por negras já era enorme.
Se o racismo desvalorizou e desvaloriza o corpo negro (feminino e masculino), o MULHERISMO, conceito defendido por bell, deseja e convida para resgatar a solidariedade e coexistência de mulheres e homens para acabar de vez com o sexismo ocidental.
Em “O Feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras” a incrível bell hooks inspira a pensar a exploração sexista sob o olhar da história, da transformação e de um outro mundo, que é possível.
Na abordagem histórica, revela o trabalho feminino das mulheres negras nos campos americanos, os assaltos sexuais assegurados pelo senhor branco, a perseguição das raparigas de 13 anos, que assim que saíam do controle dos pais, passavam inclusive a dormir no mesmo quarto de seus patrões com toda a possibilidade de serem abusadas e ainda as justificativas irracionais da religião, que argumenta que eram as negras as responsáveis pelo desvio de caráter dos homens, os conduzindo a perdição com seus corpos provocantes. Triste pensar que, por muito tempo, as tentativas do sisterhood europeu não passaram de uma mentira para as mulheres negras.
A sexualidade pecadora e o desejo carnal se materializaram em seus corpos, enquanto a virtude e a pureza da mulher do lar do século XIX, que elevavam a razão masculina com bons conselhos se cristalizaram em suas irmãs, ou melhor, suas patroas brancas. No mesmo mundo vitoriano, onde as mulheres brancas eram religiosamente cobertas por todo o corpo, as negras eram constantemente despojadas de suas roupas, proteções familiares e financeiras e claro, publicamente chicoteadas.
Nessa política sexual da violação, substancializada pela escravidão, a mulher negra é naturalmente incapaz de se elevar e isso explica a proibição de casamentos inter-raciais que durou por anos nos Estados Unidos. E muitos homens perderam a aprovação social por viverem abertamente com mulheres negras. Clássico que também acontece no Brasil!
O que mais gosto da bell, além da sua escrita absurdamente fácil e envolvente, é como ela revela características formativas dos nossos preconceitos e vômitos do passado escravista. Fanon também fala de desumanização dos corpos escravizados e eu adoro essa bibliografia que revela o peso das estruturas nas costas dos homens. Dá raiva, mas também me dá coragem ao reconhecer de onde vem os nossos problemas.
Sobre os mitos criados para personificar o mal em corpos negros e femininos, bell nos explica como programa de televisão norte-americano “Detective School” constantemente ridicularizava as negras por sua suposta feiura, má educação, gordice ou cabelo ruim. Os personagens brancos e homens chegavam até a atacá-las fisicamente em algumas cenas e as outras mulheres (as louras e atraentes) eram sempre suas inimigas.
Claro que a bell não deixa de falar sobre a opressão sofrida também pelos homens negros, já que sua teoria é em busca do fim da opressão sexista, que também os atinge. Mas não ignora que os homens negros e brancos acreditavam, igualmente, na inferioridade natural das mulheres e no domínio masculino do mundo, a partir do poder e privilégios.
A autoestima masculina negra é afetada quando o homem negro não consegue trabalho para ser o chefe da casa. Apesar do manhood, os homens negros são vistos como inferiores na hierarquia social baseada na raça e no gênero: os homens brancos em primeiro, as mulheres brancas em segundo, algumas vezes iguais aos homens negros, que eram classificados em terceiro e as mulheres negras em último.
Se não nos confrontarmos com o feminismo logo, a raiva, ainda mais na modernidade, onde as pílulas anticoncepcionais matam a passagem masculina livre ao corpo feminino, aumentaremos a exploração sexual das mulheres, a pornografia e a brutalidade doméstica. E claro, sem mudanças, o homem negro continuará descontando sua falta de autoestima social no corpo da mulher negra. Temos que destruir o sentimento básico de luxúria e anti mulher que construímos desde a escravidão, no Brasil e nos Estados Unidos.
Para pensar mais recomendo o curso da Kilza Pascoal, uma Prof. super fofa da UFPE, sobre bell hooks assista aqui:
Mas também outros temas e autores como os binarismos compulsórios escritos por Judith Butler, o conceito de conduta dócil de Foucault, Rosana Paulino, Jorge Amado, Conceição Evaristo, a naturalização do pensamento feminista com “Para educar crianças feministas” da Chimamanda Ngozi e o incrível “Um defeito de cor: racismo religioso no Brasil”, da Ana Maria Gonçalves.
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